terça-feira, 16 de novembro de 2010

Um tapa na cara como poucos


Existem poucos tapas na cara tão bem dados quanto o filme “Nascido em quatro de julho” de Oliver Stone. O filme conta a história de Ron Kovic ativista pacifista, que ficou paraplégico no Vietnã.
O filme começa mostrando sua infância, quando brincava com seus amigos de soldado nas florestas de sua cidade Massapequa, mal imaginando que seu futuro seria transformado totalmente em outra floresta alguns anos depois.
Antes outro fato mudou sua vida, o discurso da posse de John Kennedy no qual ele disse "Ask not what your country can do for you, but what you can do for your country", ao escutar isso ele decide que seu futuro é se alistar no exercito, o que ele faz entrando no corpo de fuzileiros navais na aurora da Guerra do Vietnã.
No Vietnã é mostrado aos espectadores o quão insano uma guerra pode ser, assassinando inocentes camponeses, mas uma das cenas mais impactantes é quando Kovic fere seu amigo Wilson. A guerra no cinema é retratada na maior parte das vezes na perspectiva dicotômica, onde sempre há um lado representando o bem, e outro representando o mal, e no lado do bem, os heróis sempre são mortos pelo inimigo. Stone subverte totalmente esse padrão ao mostrar uma ocorrência do sempre encoberto fogo amigo.
Um combate demanda que o ser humano abra mão de todas as suas convenções sociais para matar outro ser humano, é algo insano, e de tão insano é natural que erros aconteçam e pessoas sejam pegas em fogo amigo. O cinema de Hollywood em sua perspectiva dicotômica abafa isso, um “mariner” não pode ser mostrado cometendo erros, não pega bem na hora de recrutar novos combatentes.
Mas o diretor não subverte o cinema de guerra apenas nesse aspecto, ele mostra os cadáveres dos camponeses vietnamitas pegos no fogo cruzado, e nas cenas que talvez sejam mais chocantes, o descaso com os “heróis de guerra” que são tratados no hospital dos veteranos.
Nesse ponto é feito outra desmistificação, a Guerra do Vietnã demandou muito dinheiro dos EUA, seus gastos cada vez maiores eram em sua maioria canalizada na compra de armamentos, alimentando o complexo industrial militar. O dinheiro para cuidar dos sobreviventes deveria ser escasso, e o número de feridos aumentava todos os dias, sobrecarregando os hospitais militares que ficavam em acima de sua capacidade.
Deveria ser horrível o dia a dia num desses hospitais, homens feridos, transformados totalmente por uma guerra, o filme retrata esse cotidiano de forma estupenda. Pode até ser meio nojento, mas a realidade não é fofinha como em um filme de romance.
Após sobreviver aos seus ferimentos e ao hospital dos veteranos, Ron Kovic retorna à sua cidade e sua família, e precisa aprender a conviver com sua paralisia (ele perdeu os movimentos da cintura para baixo), e com a estranheza das pessoas, e o clima de divisão que a Guerra e o racismo havia levado ao país. Essa cisão ocorria em todas as partes, até mesmo dentro de sua família.
Ele precisa, no entanto antes confrontar seus próprios demônios oriundos da guerra, que o tornam alcoólatra, depois de uma temporada no México com outros veteranos, ele visita a família de Wilson, e confessa que foi ele quem matou seu amigo, a família que havia lutado em todas as guerras dos EUA até então, compreende, pois sabe o quanto duro é uma guerra.
Após esse fato ele se volta ao movimento dos veteranos do Vietnã contrários a Guerra, o clímax do filme é o protesto feito por esse movimento durante a convenção nacional republicana que aclamou a reeleição de Richard Nixon, na qual foi utilizada de força excessiva contra os veteranos muitos deles em cadeiras de rodas, e no qual eles foram hostilizados pelos republicanos recebendo gusparadas na cara.
O filme foi feito numa época de revisionismo da Guerra do Vietnã com obras como Apocalipse Now de Francis Ford Copolla, Nascido para matar de Stanley Kubrick e Platoon do próprio Oliver Stone, Nascido em quatro de julho mantém as críticas que esses filmes fizeram à Guerra do Vietnã e a leva a um novo patamar desmistificando muitas ideias que todo o mundo possuía do confronto.
Ele serve de alerta não só para Guerras movidas por motivos econômicos como a do Iraque e do Afeganistão, mas a qualquer tipo de confronto bélico, violência só gera mais violência, e sempre é por motivos não racionais, não existe guerra justificada, ela sempre é um ato de insanidade, não há mocinhos e nem bandidos, somos todos humanos, somos iguais, um afegão não merece morrer, assim como um estadunidense, não é isso que vai gerar um mundo melhor, muito pelo contrário, é a compreensão que leva a avanços, e não a intolerância.
Nascido em quatro de julho (Born on the fourth of July, EUA – 1989)
Direção: Oliver Stone.
Roteiro: Oliver Stone, Ron Kovic.
Elenco: Tom Cruise, Raymond J. Barry, Caroline Kava, Tom Berenger, Frank Whaley, Kyra Sedgwick, Willem Dafoe.
João Vicente Nascimento Lins, 16/11/2010

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