segunda-feira, 11 de abril de 2011

O que Marx pode dizer sobre as revoltas árabes


A impressão que se tem ao observar o rumo que as revoltas árabes seguem no dia-a-dia é de que estamos vendo as estupendas analises de Karl Marx em o 18 Brumário e em A Guerra Civil na França ganhar vida na nossa frente.
Na primeira obra Marx analisa de forma profunda todos os movimentos da burguesia francesa entre 1848 e 1852, ou seja, o período do governo de Luis Bonaparte, e como a burguesia ao ver a possibilidade de a classe trabalhadora aumentar seu poder e radicalizar a revolução prefere apelar para uma figura autoritária abrindo a mão de qualquer liberalismo para se aliar a aristocracia e consolidar seu poder assumido na revolução francesa.
O outro setor da burguesia, a pequena burguesia, que contava com o apoio da guarda nacional e da classe trabalhadora e que possuía um programa semelhante ao da social democracia dos dias atuais foi derrotada pelos outros setores, pois o medo de radicalização do processo levou à ser covarde a preferir acabar com toda a ordem social.
Já os acontecimentos narrados no segundo são consequências diretas do primeiro, a guerra de unificação alemã contribuiu para a queda de Luis Napoleão, a crise econômica e a derrota para a Alemanha levou a população de Paris a se revoltar, dando início a histórica Comuna de Paris em 1871.
A Comuna foi um governo inteiramente popular, os trabalhadores de Paris se organizaram por meio de assembleias com voto direto, as mulheres eram linha de frente na defesa da cidade, foi uma tentativa de governo popular, que uma vez com o poder em mãos cometeu o erro de não levar até as últimas consequências sua insurreição, não confiscando o capital da burguesia parisiense que havia fugido para comprar armamentos para continuar a defesa.
O fato de ambas as obras falarem sobre a realidade francesa do século XIX não impede de que elas também consigam explicar a realidade do Oriente Médio, afinal ainda vivemos no mesmo modo de produção, as contradições existentes não foram superadas, muito pelo contrário, estão cada vez expostas, a burguesia solidificou o seu papel de contra revolucionária e desde então tem usado todo o aparato do Estado para reprimir a classe operária.
Os Estados do Oriente Médio surgiram no século XX, em sua maioria frutos do fim da colonização das potencias europeias. São países, portanto de desenvolvimento hipertardio, sua burguesia nesses casos ao invés de desenvolver a indústria do país preferiu abrir o mercado do país para multinacionais, controlando apenas uma ou outra commodity estratégica do país, e mantendo o lucro da venda desse recurso para uma pequena classe ligada diretamente ao governo.
Alguns países da região são controlados governados por monarquias ou líderes autoritários que utilizam da força para manter-se no poder enquanto absolve o lucro das vendas de recursos estratégicos.
A crise econômica de 2008 que atingiu com força esses países devido à sua frágil economia baseados em exportação de produtos primários se tornou um elemento importante para levar a população às ruas e praças. Combinando amplos setores da população como jovens desempregados, trabalhadores, pequena burguesia e organizações religiosas os protestos foram vitoriosos na Tunísia e no Egito. Em pouco tempo o mundo árabe todo parecia prestes a viver os ventos da liberdade.
Ocorre que essas revoltas ameaçaram chegar ao reino da Arábia Saudita o maior produtor de petróleo do planeta, o que poderia comprometer o abastecimento e o lucro das empresas estadunidenses, a monarquia saudita possui ligações muito estreitas com o governo dos EUA, e provavelmente  ambos os governos devem ter pensado que caso as revoltas continuem seus interesses podem ser muito prejudicados.
Aproveitando-se da confusa situação da Líbia, onde a população procura tomar o poder, mas seu autoritário líder se recusa a capitular, montaram uma operação de contra revolução para tentar controlar o rumo dos protestos, dando uma falsa sensação de democracia ao mesmo tempo em que tenta colocar novos aliados na liderança dos protestos.
 
Recorrendo às duas obras citadas no inicio do texto, quando a classe operária sonha em se organizar e até demonstra algum tipo de ameaça, a burguesia sempre irá mostrar sua face mais autoritária, direitos humanos e liberdade de expressão são pura retórica, como se viu em todos os países árabes a vontade dos governantes e da alta burguesia é a de manter a ordem vigente, afinal mantém seus bolsos cheios.
Ao mesmo tempo a massa que foi às ruas nas principais cidades da região era um emaranhado de vários grupos, sem uma identidade única que não fosse a busca por liberdade. Ocorre que no capitalismo lutar para transformar uma contradição em outra não resolve os problemas apenas os piora, o grande erro da Comuna de Paris foi não levar seu modelo de governo popular até as ultimas consequências, atacando e acabando com as desigualdades e com a propriedade privada.
O erro das massas árabes é semelhante, não levar às ultimas consequências, achar que só a liberdade irá solucionar seus problemas econômicos, na primeira oportunidade que tiver a pequena burguesia não irá pensar duas vezes, vai se aliar ao governo e esquecer-se de sua busca por liberdade. Os grupos religiosos pensam de forma semelhante, só irão lutar até o ponto em que seus desejos de manutenção da ordem também não forem atacados.
Obviamente as revoltas ocorrem num contexto onde o padrão é a população afastar-se cada vez mais da ação política e de ideologias, principalmente no caso da população do norte da África e Oriente Médio, reféns de ditaduras sanguinárias.
Marx era um gênio que conseguiu desvendar os problemas da sociedade da sua época como poucos fizeram durante toda a história humana, se os problemas persistem os mesmo do século XIX é por que não foram solucionados e cabe a todos nós lutarmos com todas as forças para impedir que as forças da contra revolução conquistem a vitória mais uma vez como em 1848, 1871, 1917 e agora em 2011.
João Vicente Nascimento Lins 11/04/2011

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