quarta-feira, 25 de junho de 2014

“Não vai ter copa”, “Copa para quem?”, por trás dos slogans a realidade da luta

Charge de Carlos Latuff


Na "política de massa", que emerge no fim do século XIX para o inicio do século XX, o slogan ganha uma importância gritante (assim como outras ferramentas de agitação), tanto que o marketing cresce de sobremaneira e termina por tornar-se dominante no cenário político solidificando o processo de mercantilização da própria política. Dessa maneira é impossível pensar que o slogan "não vai ter copa" teve algum fundo de verdade mesmo para o mais otimista do manifestante de esquerda.

A Copa naquele momento realizara-se para as grandes empreiteiras, seguradoras, investidores, bancos, publicitários, prestadores de serviço e empresas de uma variada gama de setores: de material bélico a alimentos e bebidas etc. Mas, ela também ocorreu para todos aqueles que perderam seu lar para as grandes obras, bem como outras vítimas do processo de higienização que veio junto da reforma urbana que a copa promoveu. Não podemos esquecer que a realidade acima de tudo é dialética e dessa maneira para que o lucro das empresas se concretizasse era preciso expropriar alguém.

Ou seja, para o mau ou para o bem a copa ocorreu sem a bola rolar, assim o slogan "não vai ter copa" não passava disso, um slogan, mas isso obviamente não acabava com a necessidade da luta, nem tampouco tornava os manifestantes, pessoas indignas, ao contrário.

Quem tornou a propagação do slogan maior do que supunha seus criadores não foram eles e suas ações, nem tampouco os black blocks ou a mídia em sua tentativa de criminalizar os movimentos sociais para acalmar os ânimos do capital. Quem potencializou o slogan foi o próprio governo, que caiu numa armadilha que fez com que o PT despisse de vez qualquer vestígio que ainda existisse de esquerda em si e nos seus intelectuais orgânicos mais diretos (com exceção de sua linha de frente política, que em nome da realpolitk enterrara essa carapuça há tempos).

Emir Sader que se reivindica marxista e vez ou outra ainda escreve coletâneas de enxertos de Marx (sem lê-los provavelmente) foi o maior expoente, tal qual a tropa de choque de Alckmin chamou os militantes do MTST de vândalos à palavras de baixo calão piores, que este escriba se recusa a por na mesma sentença que a desses bravos lutadores. Preso em uma armadilha, o governo reuniu sua equipe de marketeiros (ao invés da política) e criou o contra slogan (ridículo) de ser a "copa das copas".

O Clima de copa que parecia não existir antes do começo do mundial de fato não existia por uma série de fatores correlatos cuja manifestações de ruas são apenas um dos sintomas. O Brasil não é o país do futebol, é hoje em dia apenas um grande exportador de jogadores, de resto o futebol brasileiro vive uma profunda crise financeira, tática, organizativa e de torcedores.

A torcida insípida da copa é seu lado mais latente, já que ela não consegue criar gritos de torcida que empolguem o time, ou seja a principal função do torcedor. Essa torcida que é a face visível do processo de higienização do futebol, talvez o grande legado da copa para o futebol nacional (e que os estádios são apenas consequência). Afasta-se aquela torcida mais popular e que fazia barulho, mas também o incômodo que tornou-se as torcidas organizadas.

As torcidas organizadas surgem no contexto da ditadura militar para tentar pressionar os dirigentes corruptos que se eternizavam no poder com leniência dos militares. Com o tempo elas foram cooptadas, tornando-se base política para os dirigentes que critivam e fontes de um grande elemento fascistizante com sua ideia fixa de eliminar fisicamente a torcida rival, ou seja as torcidas serviam para disseminar algo que é o motor da rivalidade esportiva, mas que ultrapassou suas fronteiras tornando-se mais um elemento ideológico, não era preciso bater na classe trabalhadora, quando ela mesmo batia em si mesmo.

Fechando esse pequeno parênteses há o elemento do afastamento da própria seleção brasileira, que não custa nunca deixar de lembrar é propriedade de uma empresa privada, a CBF, que nesses quatro anos entre o fracasso na Copa da Africa do Sul e a Copa em sua casa realizou apenas amistosos pontuais no exterior, com a maioria dos jogadores atuando em clubes do exterior, afastados da torcida sazonal (a que torce apenas pela seleção), mas também da qualificada torcida dos clubes.

Para completar havia o elemento pessimista, tanto em relação à organização do mundial, na qual o governo claramente se atropelou e perdeu a oportunidade de realizar ainda mais o capital com as obras de mobilidade urbana, mas também com a construção dos estádios. E o elemento pessimista com relação ao próprio futebol que jogado no mundial. Com o retrospecto de 2006 e 2010, e com relação ao péssimo futebol praticado por estas bandas (táticas medíocres de técnicos que não se modernizam e são muito mais “grifes” do que pensadores da pelota), havia o temor de ter um mundial com um péssimo futebol, ou com partidas sonolentas ao estilo “Barcelona” (o famoso tiki-taka da seleção espanhola). O que se viu com a bola rolando foi uma fórmula anti-tiki-taka, e jogos que souberam contagiar a população que antes se via pessimista.

Mas no fim, e os manifestantes que cunharam o slogan “copa para quem”?

Esses continuam nas ruas, apanhando da polícia, porque, assim como os desabrigados pela Copa, eles têm contato com o verdadeiro legado do mundial que é o aparato repressivo criado para garantir a segurança do evento, mas que caiu como uma mão na roda para o Estado e o Capital, que foi surpreendido em seu eterno confronto contra o mundo do trabalho. As grandes manifestações de junho encontraram a Polícia Militar (o braço cotidiano de ação do Estado) despreparada, havia aquela sensação do período de refluxo da esquerda, ou seja, era só bater que os manifestantes iriam voltar para casa, ser criminalizados pela mídia, e o capital vencer a batalha.

Como junho de 2013 provou, havia chance de uma massificação de demandas, e revolta contra o Estado e contra a própria repressão, que no momento de virada havia atingido com força “os filhos da classe média”. Como desde junho, a cada vitória da classe trabalhadora, há em contraponto uma vitória do capital, se o MPL consegue baixar a tarifa de um lado, de outro o Estado corta investimentos, salários. Se a massa vai para a rua, a policia se arma com equipamentos melhores e também táticas novas (há relatos de que a policia consegue derrubar servidores de streaming de ativistas durante os últimos atos no período da Copa). Se os garis vencem em sua pauta de greve, o mesmo não ocorreu com os metroviários, que foram derrotados de todas as maneiras possíveis pelo governo (legalmente, fisicamente e psicologicamente com as demissões). E foram atacados dessa maneira para não abrir o estranho precedente de que todas as categorias poderiam entrar em greve durante a copa que seriam atendidos.

A Copa do Mundo é apenas um mês, um mês no qual dependendo das condições do futebol mundial é possível ocorrer um espetáculo em campo. No entanto como toda mercadoria, ela carrega em si um grande elemento contraditório e alienado. Ela representa o máximo da monopolização do futebol em torno de grandes clubes que atraem para si os melhores jogadores, técnicos e profissionais, e que comercializa essa marca. O mesmo ocorre com as seleções e com a competição em si. E nesse processo ela se torna uma mercadoria cara aos espectadores de todo o mundo e que cobra um preço em carne e sangue gigantesco para o país sede do evento.

Quando a copa terminar, o grande legado dela será também um slogan que a esquerda também puxa, no caso é o “copa para quem?”, que traz em si uma indagação mais concreta a cerca do grande legado dela, que é a realização do capital em um processo gigantesco de expropriação física e de mais-valor dos trabalhadores brasileiros. Para ocorrer o show em campo, foi preciso derrubar sangue, que continuará a ser derrubado com mais força, mas também acarreta mais esperança, pois maximizou durante um período uma parte da opinião pública, seja achando que não haveria a copa por uma série de fatores, ou pela concretude de seu legado, já que após o fim do reinado da FIFA, permanece o reinado da burguesia, e desse a luta ainda pode nos livrar.

João Vicente Nascimento Lins - 25/06/2014