quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Dia dos professores, há o que comemorar?



Diante de mais cenas lamentáveis, de Manifestação de Professores sendo repreendida pela Polícia Militar, dessa vez no Distrito Federal; Diante de também o fechamento inevitável de 94 escolas no estado de São Paulo, republico um texto meu, que escrevi no dia dos professores esse ano:

Armandinho
O ano de 2015 será considerado como paradigmático para a educação (pelo menos a pública). Foi um ano no qual o governo federal começou indicando que o mote seria "Pátria educadora", apenas para meses depois a pasta ser a que sofreu o maior corte do orçamento.
Aparentemente a educação pública foi para o centro do debate pelas razões erradas, a categoria dos professores tornou-se vilã dos orçamentos municipais e estaduais, por que apesar do desmonte imposto desde 1994, ela ainda é uma das mais mobilizadas por todo o país. Os professores de humanas, mas não só, mantém seu caráter rebelde, de não aceitar a precarização a olhos vistos, por mais " temporário " que seja sua situação. Assim, desde o início do ano, os professores reagem ao maior ataque promovido contra categoria em todas as esferas.

Os professores do Paraná ocuparam a Assembléia Legislativa do estado para barrar um projeto do governador Beto Rixa que colocava em risco a futura aposentadoria deles. Barraram temporariamente, para dois meses depois o mesmo governo utilizar uma operação de guerra, ferindo e reprimindo centenas de professores e outros funcionários públicos para enfim aprovar o saque às reservas financeiras do fundo previdenciário.

Na esteira disso pipocou greves de professores por todos os estados do país, com ênfase na dos professores de São Paulo que durou mais de 3 meses e sofreu sérios ataques de difamação por parte da imprensa. A greve terminou derrotada, por um governador que se negou a dialogar e propor qualquer coisa para a categoria, muito provavelmente preparava já na surdina o pacote de maldades agora exposto.

Outra greve de professores foi a dos professores das universidades públicas federais, o governo apesar de educador no slogan, negou o diálogo, cortou aumentos salariais, exigiu paciência e o sangue e suor e lágrimas dos professores para ajudar no esforço do ajuste fiscal. Em troca ganharam de volta um dos piores ministros da educação de volta e a possibilidade de não conseguirem dar aulas devido ao sucateamento de suas universidades com atrasos no pagamento de contas de luz, água e dos terceirizados da limpeza.

Se o foco da insatisfação são os professores de humanas é preciso silenciar os mesmos, impondo a censura a eles através de leis tanto no que diz respeito à moral, como a negação do ensino sobre identidade de gênero nos planos de educação municipais, estaduais e federal. Mas há uma ameaça ainda pior que é a de através de leis estaduais e uma federal, impedir ao professor ensinar sobre política ou mesmo emitir algum tipo de opinião, tornando o professor um cidadão de segunda classe, afinal pode ser punido por fazer aquilo que é a base da sua profissão, o ato de ensinar. Basta lembrar que mesmo sem a dita lei, um professor de sociologia de Sorocaba foi preso e está sendo processado pela PM de São Paulo, seu crime passar um trabalho para seus alunos sobre a obra de Michel Foucault "Vigiar e Punir", algo que a PM ofereceu uma aula prática de graça ao educador.

Há ainda pacote de maldades do estado de São Paulo, que propõe fechar escolas, reorganizar os turnos e concentrar os ciclos de ensino, além de agravar o problema de superlotação das salas de aula. O objetivo oculto do programa é acabar com a necessidade do estado de recorrer aos professores temporários e assim perder uma pedra no sapato, que é a categoria de professores que mais se insurge contra o desmonte e sucateamento que o grupo político dos tucanos promove contra os professores desde a década de 1980.

Como dito nesses exemplos professor foi deslocado de base educacional da sociedade para inimigo público número 1 do Estado e de toda a sociedade. Como nos últimos anos, não há o que professores comemorarem neste dia 15 de outubro, o que não é impeditivo para nós, que a exemplo dos últimos anos, ainda nos mantemos firmes e fortes, mesmo com os baixos salários e falta de reconhecimento, afinal somos uma categoria, que apesar de como todas as outras sofrer um processo acelerado de proletarização, ainda acredita todos os dias que o salário baixo e o desrespeito não são impeditivos, e que acredita que um aluno que aprende com você, e se torna um ser humano pelos valores ensinados, o faz enfrentar todas essas adversidades.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A arte contra a burocracia



Max Weber, o sociólogo alemão, considerado um dos principais da história da disciplina, via na burocracia um traço importante da vida social moderna, que permeava desde as relações sociais mais básicas, até principalmente as relacionadas ao poder. De fato, a burocracia aparenta ser uma forma de organizar a sociedade de um modo mais racional, eliminando discrepâncias individuais e se estabelecendo como algo capaz de tratar todos de modo igual e racional (sem emoções).
           
Não é fortuito que uma exacerbação do caráter impessoal da burocracia, seja sempre uma das facetas mais retratadas em romances distopicos no século XX. Basta lembra que esses autores viveram de perto a burocracia ser utilizada para por exemplo esquematizar um sistema de eliminação física em massa dos judeus e outras minorias pelos nazistas. Ou então do caráter vigilante que essa mesma estrutura poderia assumir em determinados períodos pelas mãos de certos governos.

Um dos maiores exemplos é o mundo criado por George Orwell em sua obra “1984”. Nele um Estado autoritário utilizava de uma enorme máquina burocrática para vigiar a população e manter-se no poder, perseguindo e reeducando aqueles que se posicionavam de modo contrário.
           
Mas a impessoalidade e suposta razão da burocracia também é exacerbada nas críticas feitas aos governos dos países do chamado “Socialismo real”, com grande destaque para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e sua “polícia secreta, a KGB; e a República Democrática da Alemanha (Alemanha Oriental) com a “Stasi”. Nesse caso, as máquinas estatais são retratadas quase como um “tipo ideal weberiano” no que diz respeito ao estereótipo delas. Os filmes e obras literárias, as pintam como tendo um controle de vigilância extremo sobre sua população, adiantando coisas que somente numa sociedade hiperconectada, como a de agora seria crível.
           
É o caso do filme alemão de 2006, “Das Leben der Anderen”, traduzido aqui no Brasil como “A vida dos outros”. A película ganhadora do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, é primoroso no que diz respeito aos seus aspectos técnicos. Possui um roteiro muito bom, bem como a direção. Utiliza de uma fotografia que retrata o mundo com tons mais sombrios, exatamente como um mundo oprimido e vigiado, por uma estrutura burocrática tão forte quanto a Stasi do filme, deveria ser.
           
A história fala de como essa estrutura de vigilância poderia ser utilizada de modo corrupto por algum alto dirigente do Estado. No caso um Ministro (Thomas Thieme) manda vigiar o dramaturgo Georg Dreyman (Sebastian Koch), tentando achar qualquer brecha para prendê-lo, e assim afasta-lo de sua namorada, a atriz Chista-Maria (Martina Gedeck), para torná-la amante somente do ministro. Mas o centro do filme não reside nesse triangulo amoroso, e sim, em como a máquina burocrática termina por desumanizar as pessoas, e o modo como a arte faz exatamente o contrário, ou seja, contribui para humanizar o burocrata, e nisso a personagem central é o investigador Hauptmann Gerd Wiesler (vivido por Ulrich Muhe).
           
Wiesler é o típico burocrata, vive por e para seu trabalho, acreditando servir o país e seu partido da melhor maneira. Ele começa o filme ensinando técnicas de tortura, como se ensina a tabuada do 2, ou seja, como algo natural e sem consequências nefastas para os torturados. Tanto que não titubeia em assumir a vigilância sobre o casal em nenhum momento, acreditando tal como seu chefe, de que eles podem vazar informações para a Alemanha Ocidental. Mas, seu contato com a interessante vida do dramaturgo, o faz começar a ver possibilidades diferentes para sua vida que não seja o seu trabalho.


Há um contraste visual muito grande entre o apartamento do escritor, com livros, pianos, muitos móveis, adereços e o “espartano” apartamento do investigador. A vida de Dreyman é mais leve, ele é rodeado de amigos, enquanto o contato mais próximo de Wiesler é seu chefe. A própria afetividade entre Mara e Dreyman é contrastada com Wiesler, que precisa pagar uma prostituta, caso queira algum carinho.

O investigador é bombardeado por duas quebras na sua rotina, a alegre vida de Dreyman, com toda sua cultura e pela utilização particular do aparelho do Estado pelo Ministro, o que o faz repensar e leva à sua redenção final. É sintomático para essa mudança, que Wiesler comece a ler os livros de Dreyman, e ajude Mara em um momento na qual ela era chantageada pelo ministro. Nesses momentos o burocrata se humaniza, quando justamente se vê livre do cabresto que o era imposto.

Como ressaltado logo acima, o filme é um primor em sua parte técnica, mas não poderia ser considerado um clássico se ficasse preso só nesses aspectos, é justamente a contraposição entre a burocracia e arte, e seus papéis dentro da sociedade que ocasiona elementos interessantes para compreendermos o mundo atual, ainda que o filme erre por assim como seus semelhantes retratar o Estado socialista da Alemanha de modo estereotipado.

Ficha técnica
A vida dos outros (Das Leben der Anderen, Alemanha, 2006)
Direção: Florian Henckel von Donnersmarck
Roteiro: Florian Henckel von Donnersmarck
Com: Ulrich Muhe, Martina Gedeck, Sebastian Koch, Thomas Thieme