quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Os atentados de Paris, a Guerra na Síria e a Esquerda anticapitalista



Karl Marx começa seu livro “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” com uma celebre frase: “Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.” (MARX, 2011, p. 25).

O significado da frase não é uma regra de repetição dos fatos históricos, mas sim que como na sequência Marx cunha que a história é feita pelos homens não do modo como eles querem, mas sim do modo pelo qual as condições históricas dadas refletem nas suas ações. Dito isso, a repetição falada é que a não solução de contradições históricas, faz com que se repitam as mesmas condições históricas, o surgimento de Luís Bonaparte como líder da França após um golpe de Estado, guarda assim semelhanças grandes com o golpe que colocou seu suposto tio no poder francês.

Dito tudo isso, os ataques terroristas em Paris na noite do dia 13 de novembro, ameaçam empurrar novamente um país para o atoleiro sem fim que se tornou a Síria. Mas guardando-se as devidas situações, lembram bastante o pretexto que jogou a Europa dentro da primeira guerra mundial, e como tal torna-se uma questão central para toda a esquerda anticapitalista, tal qual foi a primeira guerra mundial para os socialdemocratas, anarquistas e comunistas.

Os dilemas representados pelo desordem síria são grandes, o conflito civil na Síria ameaça empurrar as principais potências mundiais para uma ofensiva de guerra todas no mesmo campo, mas com aliados diferentes – a Rússia com Bashar Al-Assad, e França, Estados Unidos e Inglaterra com forças rebeldes que lutam contra Assad, para completar há ainda as forças curdas próximas ao anarquismo, que lutam de modo autônomo – contra um inimigo em comum, o Estado Islâmico, mas que no frigir dos ovos não consegue ser um denominador em comum para congregar os diversos atores no campo de batalha.

O resultado será um claro impasse, que ameaça jogar o mundo em um banho de sangue que faria com que os bárbaros atentados da última sexta parecerem meros efeitos colaterais. Ou seja, um conflito direto entre as maiores potências nucleares do planeta que poderia empurrar o mundo para novamente uma guerra mundial.

Nesse ponto a esquerda encontra-se novamente dividida, sem compreender muito bem todas as possibilidades impostas, por um lado, há comunistas que em nome da “autodeterminação” dos povos defende a continuidade de Bashar Al Assad no comando do país com o apoio russo, por trás desse argumento há que a população síria em sua maioria apoiaria Assad. Por sua vez, parte dos trotskistas (principalmente ligados à LIT) que defendem que as potências ocidentais armem os rebeldes sírios para promover uma revolução socialista no país. Por fim há os anarquistas que defendem que os curdos devem continuar sua luta autodeterminante contra o Estado Islâmico e contra as forças do governo.

A barbárie que o Estado Islâmico representa é algo tão perigoso quanto a barbárie de uma guerra mundial, o EI retoma em seus preceitos uma visão reacionária do credo islâmico, que se assemelha em muito à ideologias fascistas do século XX, pode-se pensar que o conjunto de normas que o EI tenta impor ao mundo são o fruto mais bem acabado de uma ideologia regressiva, desenvolvida em países de constituição burguesa e capitalista hipertardia, que criou esse conjunto de ideias reacionárias como um princípio nacionalista, mas que se propõem universal, haja visto que sua imposição é colocada por seus defensores tal qual o liberalismo capitalista é colocado como ideal em seus países pelas potências imperialistas.

A esquerda já viveu o mesmo dilema, na emergência da Primeira Guerra mundial, quando os socialdemocratas optaram por defender a guerra, dividir o movimento trabalhista e afastar de vez a perspectiva revolucionária de seus já reformistas programas. A defesa de posições erradas pode sim significar um novo banho de sangue com as consequências mais nefastas possíveis, haja em vista a possibilidade de emergência de grupos fascistas contra os imigrantes na Europa. Não ajuda em nada não fazer as mediações em determinados momentos e ficarem criando uma balança valorativa de tragédias internacionais versus tragédias nacionais. A humanidade como um todo falhou em Mariana e em Paris, nosso papel enquanto esquerda é mostrar as linhas que ligam o desastre em Minas Gerais e Espírito Santo, com os ataques terroristas de Paris, e caso paremos para pensar, essas linhas são enormes.

Como Marx disse: “Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram.” (MARX, 2011, p.25). Dentre essas condições históricas, transmitidas pelo passado, estão os erros cometidos, um dos nossos papéis enquanto sujeitos históricos é aprender com o passado, para justamente evitar que a farsa se repita em relação à tragédia. A concretização disso, caso se coloque, revela novamente nossa falência enquanto humanidade.

MARX, Karl. O 18 Brumáro de Luís Bonaparte. Tradução Nélio Scheneider. São Paulo: Boitempo, 2011.

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